UFOLO, na pessoa do seu Director, Rafael Marques, contactou-me para fazer um texto na base da minha comunicação no fórum realizado no Lubango, para ser publicado no site dessa organização. Mandei no mesmo dia, há uma semana, e a cena nunca foi publicada, lá. Como não estou para censuras, ei-lo aqui, a quem interessar. Boa leitura.
No presente exercício buscaremos fazer uma incursão que parta da noção de Direitos Humanos e como eles se operacionalizam ou se efectivam, no actual contexto de Angola, marcado por manifestações sucessivas e uma abordagem dos órgãos do Estado muito criticada.
Os Direitos Humanos (DH), que, em tese, visam um ideal de igualdade entre os cidadãos e impor limites ao arbítrio do Estado, são uma discussão datada, mas é a partir do século XVIII, citando, aqui, T.H. Marshall, que se efectiva a sua primeira dimensão, a dos Direitos Civis. Que inculcam um ideal de igualdade dos cidadãos perante à lei, no usufruto dos direitos e cumprimento dos deveres. No século XIX, ao se perceber que nem sempre as leis salvaguardam os interesses da colectividade, sendo que algumas são orquestradas mesmo para proteger privilégios do poder instituído, nasce a segunda dimensão, o que alguns teóricos chamam de geração, a dos Direitos políticos. Estes, visando garantir o direito de participação política, não só para os cidadãos, no geral, participarem dos mecanismos do exercício do poder, da elaboração das leis, como, essencialmente, para garantir liberdades de expressão, reunião e manifestação quando se visse um interesse individual e colectivo atacado. Ou, como sugere Santo Agostinho, insurgir-se à leis “injustas”. Mas como para uma participação mais efectiva só a lei e a possibilidade de participar não bastam, se às pessoas faltar o poder económico, então, no século XX, surge a terceira dimensão dos Direitos Humanos, a dos direitos Sociais e Económicos, que garantem emprego, renda e outras formas de os cidadãos terem o necessário para existir com dignidade humana.
No entanto, é no ano de 1948, pelos acontecimentos registados na segunda guerra mundial, o holocausto e a visível banalização do mal, evocando Annah Arendt, que a ONU cria a Declaração Universal do Direitos Humanos, os quais Angola efectiva, em 1992, com a abolição da pena de morte e a instituição de um quadro de maior abertura política para os cidadãos no geral. Neste olhar, a abordagem do órgãos do Estado passam a estar sobre alçada desse ideal do mundo moderno, onde a proteção da dignidade humana se torna o ponto sumo nas demandas de qualquer nação-estado.
Em 2011, nos eventos a que se chamou de “Primavera Árabe”, a região do Magrebe foi observando onda de reivindicações e manifestações que visão a destituição longeva das lideranças daquela zona, começando por Bouazizi, à data, presidente tunisino. Essa onda inspirou jovens angolanos que se viam com o futuro adiado, procurando, por isso, mudar o quadro. Dentre as suas reivindicações constavam o tempo exacerbado do exercício do poder de José Eduardo dos Santos, há 32 anos no poder (1979-2011), e, segundo Nuno Dala, citado por Blanes (2016), nestas reivindicações, ainda se podiam indicar: a pobreza endémica, (…) a corrupção, o silenciamento da sociedade civil, os ataques à liberdade de expressão. No entanto, esses factores acabam por levar jovens, cujo perfil é traçado por Rafael Marques (vide entrevista à DW, a 04/07/2014), às ruas, exercendo o seu direito fundamental. Essas ondas são fortemente reprimidas pelo poder político. Violando-se, assim,os direitos dos cidadãos constitucionalmente garantidos (cfr artigo 47 da CRA).
Em 2017, com a chegada da nova senhora ao poder, primeiro, se desconstrói a narrativa da longevidade do exercício do poder, “32 É Muito”. Em segundo, é apresentado um discurso político que atende as demandas da conjuntura, o combate à corrupção, à impunidade, a oferta de mais empregos, maior garantia das liberdades individuais. Esse quadro retira os jovens das ruas, que passam a dar uma espécie de “tempo de graça” ao novo timoneiro dos destinos da nação.
O quadro muda, o verniz volta a estalar-se entre os jovens e o poder político, em 2020, volvidos 3 anos de consulado de João Lourenço, que apesar de levar com coragem o combate à impunidade, não consegue garantir empregabilidade, o custo de vida aumenta galopantemente, 46 crianças morrem, diariamente, por má nutrição, segundo o Novo Jornal, e o desemprego desce, atingindo a cifra de 32,7%, 4 a cada 10 angolanos estão a baixo do limiar da pobreza, segundo o INE -Instituto Nacional de Estatística. Isso faz os jovens voltarem às ruas, em ondas de manifestações. Nesse quadro, em pleno ano 20, do século XXI, onde já se fala do surgimento da quarta geração dos Direitos Humanos, o direito a se viver num mundo desenvolvido e sustentável, qual tem sido a abordagem dos orgãos do estado? A abordagem é de violação plena dos Direitos Fundamentais, sendo que, em 2 delas, já 3 mortes foram registadas, cidadãos torturados (o conceito de turtura aqui usado é o definido pela ONU), o que não se justifica, mesmo estando em sede de um quadro pandémica. O artigo 4° da Declaração Universal dos Direitos Humanos e a lei de Reunião e Manifestação ditam os cenários em que os direitos dos cidadãos devem ser suspensos, em estado de excepção constitucional (Estado de Emergência, Estado de Sítio, Estado de Guerra) o que não é o quadro actual, de situação de emergência.
Apesar de comportamentos arruaceiros serem resultado da repreensão feita pelos órgãos de segurança, pois, na manifestação do dia 21 não houve repreensão e logo, também não se registou vandalização do espaço público, é mister apontar que comportamentos também à margem da procecussão dos DH têm sido registados da parte dos manifestantes, injuriando, ultrajando, pessoas e orgãos estatais, num total desrespeito ao longo caminho que se teve até chegarmos aqui, no que as garantias fundamentais dos cidadãos diz respeito. Isso, portanto, instiga-nos a uma necessidade de diálogo aturado e constante, visando aproximar as partes, procurando evitar recuos e salvaguandando o interesse da colectividade. Vale aqui fechar a presente reflexão com as sábias palavras de Adriano Bey “A estratégia da nossa luta é mais importante do que a nobreza da nossa causa”.