Considerando que a sociedade é e tem sido cada vez mais dinâmica, e na ânsia de levar mais os serviços aos populares, ajustando desta forma a aproximação dos serviços e dos centros de decisão política aos cidadãos.
Por: Núrio José ǀ Advogado e Docente Universitário.
1. Enquadramento
Foi posto a circular nas redes sociais, um texto que não se sabe ao certo de quem é o autor, pois muitos reclamam a sua autoria, isto é, Juristas, Pastores e Sociólogos e como gostava de dar mérito ao criador do texto, fico impossibilitado em fazé-lo por conta da dubiedade. Destarte, aproveito para felicitar a todos os envolvidos por levantarem um tema de grande importância no nosso léxico jurídico, o que no meu modesto entendimento já vai tarde, sendo assim, partilho de igual modo o meu posicionamento sobre o tema.
2. A Constituição de Angola
Em 2010, vimos aprovada a nossa actual Constituição, e um tempo depois, o contexto permitiu a criação da lei 18/16 de 17 de Outubro, Lei da Divisão Político-Administrativa, que acabou revogando, toda a legislação que a contrariava, nomeadamente a Portaria 18.137-A, de 13 de Dezembro de 1971, Divisão Administrativa de Angola, Decreto n.º 84/78, de 4 de Julho, sobre a Divisão da Província da Lunda, em Províncias da Lunda-Norte e Lunda-Sul, a Lei n.º 3/80, de 26 de Abril, sobre a divisão da Província de Luanda em Província de Luanda e Bengo bem como a lei 5/15, de 5 de Maio, que desanexa a comuna do Lóvua e eleva-a à categoria de Município.
3. A Lei da Divisão Político-Administrativa
Considerando que a sociedade é e tem sido cada vez mais dinâmica, e na ânsia de levar mais os serviços aos populares, ajustando desta forma a aproximação dos serviços e dos centros de decisão política aos cidadãos, bem como o equilíbrio demográfico entre as diversas unidades territoriais, surgiu a necessidade de se fazer os devidos ajustes quanto ao território nacional, sem que para isso fosse violada a Lei Magna, e sendo assim, foi aprovada a lei n.º 14/24 de 5 de Setembro, com o real fito de garantir maior estabilidade e desenvolvimento em Angola.
4. O Dilema
Consta do aludido texto questões de partida, que foram usadas para as devidas conclusões, sem que para isso, fossem feitas com o devido respeito pela interpretação jurídica, e para que não haja ambiguidades, partilho aqui o texto para o nosso devido estudo: “Estando a manusear a nossa Constituição, de repente, me deparei com o artigo 144° sobre os círculos eleitorais (130 pela via nacional e 15 pelas provinciais).
Até à criação da Lei 14/24 de 5 de Setembro, sobre a Nova Divisão Político-Administrativa, as 18 Províncias produziam 90 deputados que somados aos 130 nacionais davam em 220. Ora, se a lógica for a mesma o círculo provincial vai multiplicar mais 15 além dos já 90 habituais, totalizando 105 deputados e mais os 130 chegarão a 235 deputados.
As questões principais são as seguintes: 1. Será isso possível sem alterar a Constituição?
2. No momento actual não há violação da Constituição?
3. Não é a nova lei um diploma inconstitucional?
4. Num Estado Democrático de Direito seria pensável produzir uma lei inconstitucional sem alterar antes a própria Constituição?” Fim de citação.
Diferente do que foi apregoado no texto quanto as respostas, faço as devidas interpretações sobre as questões levantadas, assim, temos:
4.1. Será isso possível sem alterar a Constituição? Sim, será possível. A Constituição sobre este tema, mostra a sua clareza, porquanto, o famoso artigo 144.º consagra números não permanentes, como por exemplo: Para o Círculo Nacional 130 Deputados e para o Círculo Provincial 5 Deputados. Em momento algum a Constituição propala números fixos de província e muito menos números fixos dos Deputados a Assembleia Nacional, para se encontrar os actuais 220 Deputados, foi preciso contabilizar 5×18 que dará 90 + os 130 Deputados do Círculo Nacional, assim teremos 220.
Havendo a abertura para implementar mais Círculos Provinciais sem que para isso haja a violação da Constituição, os cálculos passarão a ser 5×21 que dará 105 + os 130 que dará 235 Deputados.
4.2. No momento actual não há violação da Constituição? Não, não há. A Constituição no n.º 4 do artigo 5.º que tem como epígrafe Organização do Território, consagra que as características dos escalões territoriais, a sua criação, modificação ou extinção e são fixados por lei, ou seja, sempre que se verificar necessário, a forma de organização do território nacional, pode ser revista, ajustada ou modificada sem que para tal haja a violação da Constituição. A lei magna, deixa clara que pode existir alterações no ordenamento do território a todo instante e momento, pelo menos nestes termos.
4.3. Não é a nova lei um diploma inconstitucional? Não, a nova lei em nada viola os preceitos constitucionais, sendo assim, não se pode aludir inconstitucionalidade, por não existir contrariedade entre a lei magna e a Lei da Divisão Político-Administrativo, uma vez que a Constituição deixa abertura para a criação da lei.
4.4. Num Estado Democrático de Direito seria pensável produzir uma lei inconstitucional sem alterar antes a própria Constituição?Confesso que fiquei bastante pasmo sobre essa inquietação, e abro a hipótese de não ter entendido a questão de forma, sendo assim, tomo a liberdade de responder o seguinte: A Constituição é a lei principal de um país, e a Constituição não deve se adequar a nenhuma outra lei, portanto, as leis é que devem se adequar conforme a Constituição para que não seja declarada inconstitucional.
Há inconstitucionalidade nas suas mais variadas formas, sempre que uma lei não se ajustar à realidade da Constituição, conforme ensina Gomes Canotilho. O que não é o caso em concreto, pois que, a actual lei sobre a DPA em nada viola a Constituição, se assim fosse, seria dada como inconstitucional e não poderia surtir os efeitos pela qual foi criada, não sendo, pode ser implementada e aplicada sem qualquer reserva.
At.t.: Nos actuais termos.
5. Conclusão
Olhando para o íntimo da Constituição, da Lei da Divisão Político-Administrativa e da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, constata-se de forma clara e muito piamente, que não existe nenhuma irregularidade, debilidade ou até mesmo inconstitucionalidade porque a Constituição não se mostra fechada quanto a este tema, deixa aberta para situações como a que estamos a viver actualmente.
Assim, a lei da DPA não condicionará as eleições e muito menos forçará uma revisão da Constituição. A lei magna não consagra que são 18 Círculos Provinciais, pelo contrário, apenas fixa os números gerais dos Círculos Provinciais.
Do ponto de vista material os números serão ajustados automaticamente tendo em conta os números dos Círculos Eleitorais Provinciais criados até a data das eleições gerais.
Os pensamentos seriam diferentes, se por exemplo a Constituição consagrasse o seguinte conteúdo: a) Um número de cinco Deputados é eleito em cada província, constituindo um total de 90 Deputados de todos os círculos provinciais eleitorais. Ou ainda:
b) Um décimo dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções, equivalente a 22 Deputados. Com essa alteração dos Círculos “DEVIA” ser revista. Se a redação fosse essa, aqui sim… haveria base e motivos bastantes para falarmos em revisão, inconstitucionalidade e todos os elementos necessários para a devida apreciação ou quiça alteração da lei, enquanto isso, podemos ousadamente afirmar que talvez o problema passa pela interpretação da norma ou ainda por questões relacionadas à língua portuguesa.